Domingo , Outubro 12 2025

Uma Viagem ao Coração do Barroco: A Arquitetura que Abraça a Virgem do Pilar

Visitar a Basílica de Nossa Senhora do Pilar, em Saragoça, não é simplesmente entrar num templo. É, na realidade, penetrar num universo de arte, fé e cultura que pulsa há séculos ao ritmo da devoção mariana. Sob as suas cúpulas entrelaçam-se as orações dos peregrinos, os ecos da história de Aragão e a grandeza de um estilo artístico que quis traduzir em pedra e estuque a mais sublime experiência humana: o encontro com Deus.

Neste artigo, proponho-lhe uma viagem diferente: decifrar o barroco que dá forma à Basílica e compreender como a sua arquitetura não é mera decoração, mas sim uma linguagem visual e espiritual que presta homenagem a Nossa Senhora do Pilar, padroeira de Aragão e da Hispanidade.


O Barroco: uma arte que fala ao coração

Para compreender a arquitetura da Basílica do Pilar, precisamos primeiro situar-nos nos séculos XVII e XVIII, quando a Europa vibrava com um estilo artístico exuberante: o barroco.

Ao contrário do Renascimento, que buscava harmonia e medida, o barroco era uma arte que queria comover, emocionar e tocar a alma. Nasceu no contexto da Contrarreforma, quando a Igreja Católica procurava uma arte capaz de falar diretamente ao povo, de não deixar ninguém indiferente e de tornar tangível o espiritual.

O barroco é drama, luz e sombra, movimento, grandiosidade. Mas, acima de tudo, é uma arte didática e devocional: cada coluna retorcida, cada cúpula pintada, cada jogo de luz tem um propósito, e esse propósito é conduzir o fiel à contemplação do divino.


A Basílica do Pilar: a casa barroca da Virgem

A tradição conta que no ano 40 d.C. a Virgem Maria, ainda em vida, apareceu ao apóstolo Tiago às margens do rio Ebro para o encorajar na sua missão evangelizadora. Como testemunho, deixou uma coluna de jaspe – o “pilar” – sobre a qual foi erguida uma pequena capela.

Com o passar dos séculos, essa capela tornou-se um templo românico, depois uma igreja gótica, até que, em plena época barroca, foi erguida a majestosa Basílica do Pilar que conhecemos hoje. A sua construção começou no século XVII e só terminou no século XVIII, com o contributo de grandes arquitetos como Felipe Sánchez, Francisco Herrera, o Moço, e Ventura Rodríguez.

O que a torna especial é que não é um barroco excessivamente carregado ou opressivo, mas sim um barroco espanhol, com traços tipicamente aragoneses: monumental, luminoso e solene.


A emoção do espaço: cúpulas que elevam a alma

Uma das grandes linguagens do barroco são as cúpulas, e na Basílica do Pilar encontramos um uso magistral. As onze cúpulas e quatro torres desenham a silhueta inconfundível do templo no céu de Saragoça.

No interior, as cúpulas não cumprem apenas uma função estrutural, mas também simbólica. São como céus abertos que convidam o fiel a levantar o olhar. Muitas são decoradas com afrescos de artistas como Francisco de Goya, cujas pinceladas na cúpula do Coreto e na Regina Martyrum ainda hoje comovem pela sua força e expressividade.

Cada cúpula é um lembrete de que a fé não é fechamento, mas abertura, e de que a Virgem do Pilar acolhe todos os seus filhos sob o seu manto.


Luz e devoção: um percurso sensorial

O barroco joga com a luz como um pintor com a sua paleta. Na Basílica do Pilar, a luz natural que entra pelas janelas acaricia as paredes e o altar, criando contrastes que parecem um espetáculo celestial.

Mas também a arquitetura barroca do Pilar pensou na luz interior: a do ouro dos retábulos, a das velas que ardem sem cessar, a do esplendor que envolve a Santa Coluna. Tudo no templo é pensado para gerar uma atmosfera de recolhimento e admiração.

Curiosidade pouco conhecida: o camarim da Virgem, onde os fiéis podem aproximar-se para beijar o Pilar, é em si mesmo uma joia barroca. Foi projetado como um espaço íntimo, quase teatral, onde o peregrino vive uma experiência de proximidade com a Virgem, ponto culminante do percurso visual e espiritual que começa ao atravessar as portas do templo.


O retábulo-mor: catequese em pedra e ouro

Um dos elementos mais impressionantes do barroco é o retábulo-mor, obra de Damián Forment do século XVI, que, apesar de renascentista, foi perfeitamente integrado no espírito barroco do templo.

O retábulo narra cenas da vida da Virgem e de Cristo com um nível de detalhe que ainda hoje surpreende. Numa época em que a maioria do povo não sabia ler, o retábulo funcionava como uma Bíblia aberta em imagens, catequizando através da arte.

O barroco queria ensinar através da beleza, e na Basílica do Pilar essa missão é plenamente cumprida.


O propósito devocional: uma arquitetura que se torna oração

Para além da técnica, do desenho e da monumentalidade, a arquitetura barroca do Pilar tem uma intenção clara: ser instrumento de devoção.

Cada arco, cada cúpula, cada altar é pensado para que o visitante não apenas contemple, mas reze. É um espaço que se torna prolongamento da oração do povo aragonês à sua Mãe do Pilar.

O barroco do Pilar não busca uma fria admiração estética, mas sim uma experiência espiritual. E por isso, ainda hoje, o templo está vivo: cheio de missas, peregrinações, confissões, cânticos e silêncios.


Curiosidades pouco conhecidas

  • As bombas que não explodiram: Durante a Guerra Civil, três bombas caíram sobre a Basílica. Nenhuma explodiu. Hoje, estão conservadas na sacristia, interpretadas por muitos fiéis como um sinal da proteção da Virgem.
  • A Virgem mais pequena: A imagem da Virgem do Pilar mede apenas 36 centímetros, e, no entanto, a sua presença inspirou catedrais inteiras e a devoção de milhões de fiéis.
  • Goya, devoto e artista: O grande pintor aragonês deixou parte do seu génio no Pilar. Os seus afrescos, num estilo mais próximo do rococó, marcaram uma mudança na tradição pictórica barroca.

A Virgem do Pilar: coração espiritual de Aragão e da América Hispânica

Todo este esplendor barroco não teria sentido sem Ela: a Virgem do Pilar. A sua presença torna a Basílica algo mais do que um templo. É símbolo da identidade aragonesa, farol de fé para a Espanha e elo espiritual com a América Hispânica, onde milhões de devotos celebram a sua festa a 12 de outubro.

O barroco quis tornar visível o invisível, e no Pilar conseguiu: envolver a Virgem numa arquitetura que não só a guarda, mas a exalta como Mãe, Rainha e Protetora.


Conclusão: uma viagem que transforma

Decifrar o barroco da Basílica do Pilar significa descobrir que a arquitetura pode ser uma catequese em pedra e luz. Significa sentir que a arte, quando nasce da fé, não apenas decora, mas guia, comove e converte.

A viagem ao coração do barroco que o Pilar nos oferece não é apenas um passeio cultural, mas também espiritual. Ali, entre cúpulas, afrescos e retábulos, pulsa a devoção de todo um povo que, século após século, continua a vir prostrar-se diante da Virgem – a mesma que, segundo a tradição, acompanhou o apóstolo Tiago e que hoje acompanha todos os que atravessam as portas da sua Basílica.

Porque, no fim, a grandeza do barroco no Pilar não está apenas nas suas formas, mas na sua mensagem: Deus torna-se próximo, e a Virgem, do seu Pilar, permanece como uma coluna firme da nossa fé.

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